Rio de Janeiro - Não são só olhares ou comentários machistas. Quem já bancou um topless no Carnaval chegou a enfrentar até ameaças e agressões. Por outro lado, ainda que tenha exigido uma boa dose de coragem para encarar tamanha violência, mulheres que se despiram no Carnaval também experimentaram uma sensação de potência que levaram para além dos dias de festejo.
Foliãs ouvidas pela reportagem do Huffington Post Brasil são unânimes em afirmar que a decisão de se despirem foi política: um grito de independência ante a cultura de controle e objetificação de seus corpos e contra um mercado que dita padrões estéticos.
Do alto de seus 2,73 m (isso mesmo!), a bailarina Conceição Carlos, de 44 anos, que desfila sobre pernas de pau no Carnaval do Rio de Janeiro há 14 anos, encarnou uma diaba com os seios nus no desfile da Orquestra Voadora no ano passado. Foi seu primeiro topless.
"Foi maravilhoso porque vi que posso fazer com meu corpo o que quiser. Não sou esbelta, sarada, já tenho filho adulto. E isso eu também queria mostrar: qualquer mulher, qualquer corpo pode [fazer topless]. Isso me deu força. Até então eu não colocava minha barriga de mãe de fora; eu não tenho mais esse problema", descreve.
A nudez e o contato com o feminismo também fizeram a produtora cultural e atriz Ara Nogueira, de 24 anos, superar problemas de aceitação de seu corpo. O processo dela começou em performances de teatro e, hoje, Ara adota o topless não só em blocos de Carnaval, mas em bares, festas e manifestações.
Ela questiona: por que as mulheres não podem tirar a camisa quando sentem calor, assim como fazem os homens? E admite, contanto, que isso requer atitude. "Se percebo que o cara está me reprimindo pelo estou fazendo, mantenho minha posição. Não vou baixar a cabeça para nenhuma atitude machista."
Conceição concorda: "O olhar sexualizado não me oprime, isso não é um problema meu". Ela pegou carona na fantasia para driblar o assédio de foliões.
"Quando ouvia bobagens como, 'que peitinho lindo', 'quero dar uma lambida', eu fazia cara de diaba e dizia: 'Não mexe com a diaba". Eu estava dona de mim, não estava com vergonha, não me encolhia. Pedi informação para um policial e ele quem se assustou. Quando isso acontecia, só me imbuía de mais força e segui a noite inteira de topless na Lapa", relata.
Mais objetificação?
A estudante de Direito Ana Lídia Bispo, de 25 anos, não aprovou sua primeira e até agora única experiência ocorrida no Technobloco, também no Carnaval passado do Rio. Ela conta que ante tamanho assédio decidiu vestir-se.
"Achei que me sentiria à vontade, mas o retorno não foi como imaginei. Foi um assédio bem grande, estressante. Um cara passou a mão no meu peito e dei um tapa nele."
A foliã não descarta a possibilidade de tentar o topless novamente, mas só em blocos feministas ou de maioria composta por mulheres.
"É sacar onde você está e não ter aquilo de que estou desconstruindo o patriarcado, porque você não está. (...) Saí de lá com a sensação de que o topless está objetificando, parece que estar com o peito de fora serve aos homens."
Ara Nogueira também passou por apuros no Carnaval passado e diz que agora, quando percebe situações de risco, aborta o topless.
A atriz caminhava com amigos por volta das 20h30 numa área deserta da Uruguaiana, região de comércio popular no centro do Rio, quando um homem parou na sua frente e a ameaçou: "Aproveita, sua filha da puta, enquanto é Carnaval".
"Uma pessoa sem camisa é alguém com calor, não é uma pessoa querendo ser estuprada", defende a tradutora Ju Storino. Para ela, o topless é uma forma de assumir as regras de seu corpo e mandar a mensagem: "Eu que mando aqui e não vou aceitar nenhum tipo de assédio por isso".
A percussionista, que estreou seu topless no bloco Mulheres Rodadas em 2016, relata como encarou situações de constrangimento.
"Foi refrescante pra caramba. Senti os olhares. Alguns momentos me senti até envergonhada. Um fotógrafo japonês passou o bloco inteiro do meu lado tirando fotos dos meus peitos. Ele não disfarçava. Botei muita purpurina. No momento em que o pessoal estava jogando água, um pedaço da purpurina caiu e eu senti medo de ficar totalmente exposta. Mas logo em seguida pensei: 'Qual o problema, se eu estou assim?'"
Rede de Apoio
Conceição Carlos sugere que foliãs de primeira viagem estejam acompanhadas e façam uma pequena experiência, "para ver até onde vão", levando sempre algo para se cobrir. E que sempre respeitem seus limites.
O conselho de Ara Nogueira vai na mesma linha: só faça o que fizer você se sentir bem. Para ela, o apoio de outras mulheres fortalece.
"No ano passado, eu estava sem blusa no Boitolo e uma menina veio falar comigo que tinha vontade de fazer topless. Dei a mão pra ela e disse: 'Se você quiser tirar a blusa, eu estou com você'. Ela tirou a blusa e me deu a mão. A gente ficou andando de mãos dadas pelo bloco. Ela me agradeceu e disse: 'Estou me sentindo mais forte'. A gente precisa muito desse apoio", conclui.
Autor / Fonte: HuffPost Brasil Diego Iraheta
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