Por Vinicius Canova
Publicada em 16/12/2019 às 15h16
Porto Velho, RO — O que seria o movimento mixuruca dos neointegralistas de São Paulo com seus parcos gatos pingados senão expressão corpórea externada por uma vestimenta rídicula a espelhar o mosaico de besteirol alimentado no imaginário de grande parte da população brasileira atualmente?
Trocando em miúdos a fim de facilitar a compreensão do (a) leitor (a), a pluralíssima dúzia de componentes da estrutura concebida pelo jornalista Plínio Salgado ressuscitada pela Frente Integralista Brasileira (FIB), traduz o cidadão tupiniquim padronizado e moldado à contemporaneidade, que, no caso dos integralistas [não confundir com Os Tribalistas], diferencia-se pela ilustração cafona e bandeirolas igualmente risíveis denunciando o óbvio: a extinção do bom senso.
É como se no dicionário em vez de explicações coloquiais existisse uma única fotografia estampada no sentido de dar significado ao termo cidadão de bem e/ou à expressão família tradicional.
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Bem, o movimento poderia ser considerado cem por cento inofensivo se não houvesse ao menos uma figura histórica ligada a ele denfendendo ideias próximas às dos teóricos nazistas.
Gustavo Adolfo Luiz Guilherme Dodt da Cunha Barroso, ou simplesmente Gustavo Barroso, como queiram, foi talvez o maior expoente intelectual antissemita do Brasil. Aliás, ocupou também a função de presidente da Academia Brasileira de Letras em 1932/33 e 1950.
Esse flerte com o hitlerismo alemão não saiu da minha cabeça. Está registrado na página do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) no site da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O catedrático, a despeito de ter visões diferentes às de Salgado — este mais pendente ao fascismo italiano de Mussolini —, ainda que caminhando no mesmo espectro político, representava força expressiva dentro da Ação Integralista Brasileira (AIB).
É bom lembrar, por fim, que a maioria refutava a ligação do integralismo clássico com concepções que nutriram o Terceiro Reich germânico.
Gustavo Barroso vestido de integralista de acordo com os costumes da AIB. Site da FGV diz que ele era antissemita e tinha ideias semelhantes às de Hitler
Na realidade, os integralistas não me preocupam, pelo contrário; acredite ou não, eles têm a minha empatia, e eu explico. Quando vi a cena estapafúrdia no epicentro da muvuca paulistana, a coisa me soou melancólica demais para detestar ou repelir com veemência. Me recordei da sensação ao finalizar o decumentário "A Terra é Plana" (Behind the Curve/2018), lançado este ano na plataforma de streaming Netflix.
Mark Sargent, personagem central da veiculação, demonstra mais fascínio pela projeção que havia ganhado por propagar e alimentar ainda mais as teorias conspiracionistas contra a National Aeronautics and Space Administration (NASA) batendo ainda de frente com cientistas do mundo inteiro, do que com a temática à qual se sujeita a defender com unhas e dentes.
Mark Sargent: o terraplanismo é o seu RPG / Divulgação
É nítido o amor pelo senso de pertencimento: um senhor de idade que, ignorado por toda uma vida, passou a ser o centro das atenções de pessoas com perfis idênticos, relegadas ao total esquecimento como qualquer pessoa comum, assim como este que vos escreve, fadado, inclusive, ao destino único traçado aos especialmente desinteressantes. Ou seja, o futuro ordinário de ser enterrado ou cremedo sem qualquer menção honrosa ou holofote.
Assim como os terraplanistas, os neointegralistas com seus uniformes verdes e calças pretas só querem calor humano, até porque viver no porão na casa da avó com aquele cheiro de naftalina pode suscitar tendências suicidas, portanto o ideal é deixá-los se reunir permitindo também que empunham os estandartes e entoem os cânticos. Sejam felizes!
Reprodução: Twitter
O nazista de Unaí
Outra coisa completamente diferente é o caso do nazistão de Unaí, cidade de Minas Gerais que fica a uns 590 km de Belo Horizonte.
Algumas notas jornalísticas dizem se tratar de um tal de Zelão Adjuto, mas não há confirmações sobre a identidade do valentão metido a besta até agora, o que surpreende de maneira negativa na era da internet.
Fosse um pobre coitado é possível que a patrulha cibernética já tivesse passado nome completo, CPF, RG, quem são os pais da criatura e daí por diante. Logo, não me surpreenderia se o dito cujo fosse mesmo um abastado bem-nascido fruto de árvore genealógica típica do feudo.
Entretanto, sendo Zelão ou não, da família Adjuto ou não, tanto faz: o que está em jogo aqui é um questionamento simples sobre a linha temporal da história recente.
Quando se tornou confortável para essa gente criminosa e sem pudor colocar a cabeça para fora do casco? Isso eu deixo com vocês.
Agora, quando um tipo nojento como esse se sente bem em sentar-se à mesa rodeado por pessoas miscigenadas, e isto tanto quanto ele próprio, o supramacista pardo, ou qualquer outro brasileiro, é sinal de que as coisas não andam bem e as pernas instituicionais estão bambeando.
Dados complementares dão conta de que policiais foram acionados, porém não teriam abordado o nazistão, trocando apenas poucas palavras com o gerente do bar onde o excomungado resolveu sentar.
E ainda que se saiba de quem se trata, dificilmente o homem responderá (ou se responder, dificilmente será punido) pelo crime encartado no parágrafo primeiro do Art. 20 relacionado à Lei 7.716/89, que diz:
" Art. 20. [...]
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo [...]".
E por que eu digo que ele sairá ileso?
Foto: Polícia Civil de Itajaí
Porque o juiz Augusto Cesar Aguiar, da 1ª Vara Criminal de Itajaí, Santa Catarina, inaugurou uma tendência ao ignorar cartezes comemorativos em alusão à passagem do "aniversário" de Adolf Hitler.
" Os cartazes que foram espalhados pela cidade de Itajaí eram assinados por uma entidade chamada White Front – frente branca – que, de acordo com o MP, trata-se de um grupo extremista", destacou a reportagem do site da Revista Fórum.
Foto: Polícia Civil de Itajaí
“Considerando as provas dos autos e o contexto do fato, tenho que, os réus ao colarem cartazes, manterem estes e publicarem fotos da cruz suástica/gamada e do ditador Hitler em seus perfis pessoais no Facebook, não o fizeram com o dolo específico de divulgar/incitar o nazismo”, escreveu o juiz em sua decisão.
Pois é.
Se o Judiciário, que é um poder constituído do Estado, passa a permitir que a lei seja violada e finja não ver o descalabro, imagine a portinhola aberta, daqui para a frente, para todo o tipo de aberração entre irrisórios abandonados sem propósito ora em comunhão de cores e canções e assassinos em potencial excursionando entre nós sem recear o peso do malhete.
Bem-vindo (a) ao apocalipse, ao começo do fim e à era do grotesco.
Não afirmo que é esse caso, mas, existem muitos psicóticos que acreditam até ser o próprio Hitler.