Por RFI
Publicada em 09/10/2021 às 09h57
Os Estados Unidos e os talibãs se reunirão neste sábado (9) pela primeira vez desde a retirada americana do Afeganistão, onde um atentado suicida perpretado pelo grupo Estado Islâmico deixou 55 mortos em uma mesquita de Kunduz, nesta sexta-feira (8).
Uma delegação dos Estados Unidos se reunirá neste sábado (9) e domingo (10) em Doha, capital do Catar, com representantes do movimento islamita, informou um porta-voz do Departamento de Estado.
Os Estados Unidos mantiveram contato com os talibãs desde que o grupo tomou o controle de Cabul em agosto, após a retirada das tropas americanas, mas este será o primeiro encontro presencial.
"Vamos pressionar os talibãs para que respeitem os direitos de todos os afegãos, inclusive as mulheres e meninas, e para que formem um governo inclusivo com um apoio amplo", informou o porta-voz do Departamento de Estado.
"Enquanto o Afeganistão enfrenta a perspectiva de uma severa contração econômica e uma possível crise humanitária, também vamos pressionar os talibãs para que permitam às agências humanitárias o livre acesso às áreas necessitadas", acrescentou.
O Departamento de Estado enfatizou que a reunião não indica que os Estados Unidos estejam reconhecendo o governo talibã no Afeganistão. "Temos claro que qualquer legitimidade deve ser conquistada através das próprias ações dos talibãs", advertiu o porta-voz.
Atentado durante oração
A iniciativa foi anunciada horas depois de um atentado realizado durante a oração do meio-dia em uma mesquita xiita de Kunduz, e que deixou 55 vítimas, nesta sexta-feira.
O EI, que realizou um ataque a outra mesquita de Cabul no último domingo - com cinco mortos - assumiu a responsabilidade pelo atentado em um de seus canais do Telegram.
De acordo com a organização extremista islâmica, o suicida era chamado de "Mohammed, o uigur", o que implica que ele fazia parte desta minoria muçulmana chinesa. Alguns de seus membros se uniram ao EI.
Segundo informações preliminares, a explosão foi cometida por um kamikaze.Esse foi o ataque mais sangrento no Afeganistão desde a retirada das tropas americanas do país, em 30 de agosto.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou "nos termos mais enérgicos" o ataque, "o terceiro contra um local religioso em menos de uma semana"
O ataque ocorreu durante a oração do meio-dia, a mais movimentada de sexta-feira, dia do descanso muçulmano. Dost Muhammad, chefe dos serviços de segurança dos talibãs em Kunduz, afirmou que "quem cometeu este ato quer semear discórdia entre sunitas e xiitas". "Asseguramos a nossos irmão xiitas que garantiremos sua segurança e que estes ataques não vão se repetir, acrescentou.
Desde que os talibãs tomaram o poder no Afeganistão, em meados de agosto, o braço local do EI, o EI-K (Estado Islâmico do Khorasan), multiplicou seus ataques.
Em várias ocasiões teve como alvo combatentes talibãs na província de Nangharar, no leste do país, onde o grupo jihadista tem estado muito presente desde a sua criação, em 2015.
Para os talibãs, que controlam o conjunto do Afeganistão, a principal ameaça vem do EI-K, que contaria entre 500 e vários milhares de combatentes em território afegão, segundo as Nações Unidas. Apesar de ambos serem sunitas radicais, EI e Talibã são inimigos declarados.
O EI-K também reivindicou o atentado cometido em 26 de agosto nas imediações do aeroporto de Cabul, que deixou mais de uma centena de mortos, inclusive 13 soldados americanos.
O ataque desta sexta-feira se soma a vários atentados do EI-K, que reivindicou alguns dos ataques mais sangrentos realizados nos últimos anos no Afeganistão e no Paquistão.
O EI-K tem como alvo os muçulmanos que considera hereges, como os xiitas do grupo étnico hazara, que representa entre 10% e 20% da população afegã (cerca de 40 milhões de habitantes).
"A principal mensagem dos talibãs à população desde 15 de agosto é que restauraram a segurança pondo fim à guerra. No entanto, um atentado como este em Kunduz põe isso em dúvida em grande medida", disse Michael Kugelman, especialista em sudeste asiático no Woodrow Wilson International Center for Scholars.