Os últimos dias do professor Virgílio

Os últimos dias do professor Virgílio

Atualizada às 11h18 do dia 27/02

Porto Velho, RO – É sábado de manhã. Chove em Calama, distrito de Porto Velho que abriga uma das várias comunidades situadas no Baixo Madeira. Olhares tristes, o choro contido e a marcha lenta coletiva de uma pequena sociedade denunciavam o adeus definitivo a um dos mais respeitados professores da região: Virgílio Gomes Ferreira, abalroado naquela manhã por um ataque cardíaco fulminante.

Uma Calama chuvosa chora a perda de um de seus melhores educadores

Com três longas décadas de serviços prestados não só à educação, mas a toda comunidade onde residia, o professor Virgílio Ferreira, prestes a se aposentar e ainda não incluído na transposição aos quadros federais por erro técnico de inserção de dados errôneos, chorou e até implorou nos seus derradeiros suspiros sobre a Terra.

A tristeza e o cinza que revestiram Calama no dia fatídico só não tiveram tons mais fortes que as nuvens enegrecidas do desespero imposto ao docente dias antes de sua morte.

Até ser informado de que mudanças significativas ocorreriam em sua vida, no alto de seus 62 anos, o cotidiano era basicamente o mesmo: sorrisos, brincadeiras e a competência que o definiu nas aulas de ciências lecionadas na Escola Estadual General Osório.

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Homem de convicções à moda antiga, ou seja, que fazia questão de imprimir com rigor as exigências de parâmetros mínimos em termos de educação, acabou acendendo o sinal de alerta do Governo do Estado, mais especificamente da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), após reprovar alguns alunos em sua disciplina – gerando revolta de poucos pais e mães.


Virgílio Ferreira: professor clássico, à moda antiga

Com isso, a pasta incumbiu Chirlane Nobre Belo, chefe do NAC – Baixo Madeira, a fim de que tomasse as rédeas da situação, averiguasse o porquê das reprovações e, ao final da apuração, apresentasse solução ao caso.

Rondônia Dinâmica conversou com pessoas próximas, colegas de trabalho e até mesmo com o diretor da Escola Estadual General Osório a fim de compreender o ocorrido.

“Ainda que o governo tenha estabelecido as normas para a Progressão Parcial, que permite ao aluno repetente seguir em frente mesmo com disciplinas pendentes no ano anterior, a reprovação em si acaba mexendo com os marcadores da educação e pode, inclusive, alterar negativamente os números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”, pontuou um professor ouvido pela reportagem e que não quis se identificar por receio de retaliações.

Embora haja certo exagero nos burburinhos espalhados pelas redes sociais e até informações equivocadas como a atribuição de responsabilidade ao novo e controverso projeto Gênesis – que não tem nada a ver com a história – as declarações foram unânimes no sentindo de apontar que, de fato, Virgílio fora informado de que teria de sair da sala de aula, mesmo insistindo que ensinar e educar eram as maiores paixões de sua vida, abaixo apenas da família.

A confusão ocorre parte por responsabilidade da Seduc, que colocou o primeiro nome da servidora de maneira errada na página de contatos relacionada à pasta. Logo, muita gente acreditou que o episódio tinha relação com o Gênesis porque há, entre os participantes do Grupo de Trabalho instituído pelo governador Confúcio Moura (MDB), a professora Shirlene de Oliveira Souza – sem qualquer ligação com os desdobramentos voltados ao Baixo Madeira. 

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Além disso, caso sua retirada restasse concretizada, Virgílio perderia as gratificações de sala de aula e de difícil acesso, colocando em risco não só seu próprio orçamento e subsistência, mas também a faculdade das filhas, que custeava com dificuldade, porém em dia. Trabalhador, o docente complementava a renda administrando um pequeno comércio à noite após trabalhar o dia inteiro no educandário.

Segundo os relatos, Chirlane Nobre se reuniu, em fevereiro deste ano, com esses pais, mães e filhos reprovados – sem a presença de qualquer educador, muito menos do professor alvo da discussão.


Após publicação, equívoco foi consertado

De lá, teria elaborado relatório para que o professor fosse devolvido (termo utilizado quando o docente é retirado de seu local de trabalho para ser redistribuído através do setor de Lotação da Seduc).

O próprio diretor da escola Vanderlei Varini dos Santos jamais teve contato com o documento físico, mas foi avisado de que teria de assiná-lo a fim de concluir o intento da secretaria. Antes mesmo de acessar o conteúdo do relatório ou mesmo vê-lo pessoalmente, avisou que não rubricaria nada, pois achava injusta a remoção de um profissional com 30 anos de dedicação à região de forma repentina e sem justificativas plausíveis.

O único documento que estaria disposto a assinar seria o abaixo-assinado apresentado pela comunidade de Calama repudiando a remoção do educador e pedindo sua permanência no local.

“Nesse tempo todo, foram as únicas vezes que o vi chorar. A primeira, na própria secretaria enquanto praticamente implorava pela permanência. A segunda, na minha casa. Ele clamava ao mesmo tempo em que chorava copiosamente para que eu intercedesse e o ajudasse. Eu mal conseguia entender o que Virgílio falava, mas sabia o que tinha de fazer”, informou o diretor à reportagem.

A partir daí, Vanderlei Varini, o diretor da General Osório, tentou reverter a situação do amigo. Conversou, apresentou explicações, ressaltou o período de trabalho do colega, falou sobre suas condições econômicas, exaltou o amor da comunidade pelo educador, enfim, expôs à Chirlane Nobre todos os motivos que poderiam freá-la. Não funcionou.


Professor chorou e até implorou para ficar, diz diretor da escola onde trabalhava

Não foi bem assim...

As informações que rondam os bastidores da Internet dão conta de que o professor Virgílio teria sido coagido, ameaçado e obrigado a lecionar em Jaci-Paraná, o que não é verdade.

O que ocorreu, segundo o diretor, é que enquanto tentava permanecer em Calama, na Escola General Osório, tanto o educador quanto o gestor do colégio apresentavam justificativas para que a saída do professor não fosse efetivada. A principal, como já ressaltado, seria a retirada das gratificações de difícil acesso e sala de aula – verdadeiro baque na renda mensal de Virgílio.

Disposta a manter a decisão, Chirlane Nobre apresentou Jaci-Paraná como opção, não imposição. Seria o único jeito de fazer com que o professor conservasse os dividendos na folha de pagamento do jeito em que estavam até dezembro de 2017.

Mesmo assim, Virgílio, já idoso, se desesperou com a perspectiva, já que morava em Calama e teria, na melhor das hipóteses, que se deslocar com frequência a Jaci-Paraná – extremamente distante de sua residência.  

E de novo a intervenção do amigo Vanderlei foi primordial. O diretor solicitou à Seduc que Virgílio fosse alocado na Sala de Vídeo da escola, já que a ideia era apenas retirá-lo de sala. A secretaria negou. Insistiu, ainda, pedindo que o professor de ciências ficasse, então, na sala de Mediação Tecnológica.

Entretanto, o novo sistema de modulação da Seduc não autoriza a lotação de um profissional formado em determinada área à outra completamente distinta. Para a Sala de Mediação Tecnológica, segundo o diretor, a secretaria exige a formação em pedagogia, mas Virgílio era formado apenas em ciências, não preenchendo os requisitos necessários.

Vanderlei saiu de Calama e foi conversar pessoalmente com Mirlen Graziele Gomes de Almeida, gerente de Lotação. De lá, mesmo com todos esses problemas, saiu convencido de que a Seduc manteria o professor Virgílio na Escola General Osório, mesmo não tendo certeza ou qualquer documento que corroborasse com seu entusiasmo.

Mesmo assim, chegou a dar a boa notícia ao amigo Virgílio, que até sorriu ao saber das boas novas.

O maior indicativo de que a conversa teria surtido efeito foi uma resposta publicada na página oficial da Seduc, que chegou a emitir Nota de Pesar em decorrência da morte de Virgílio. Na publicação, uma usuária comentou:


Nota de Pesar emitida pela Seduc

“A Seduc obrigou este professor a ir trabalhar em Jaci mesmo sob protesto e tristeza. Parabéns, projeto Gênesis”. A réplica veio logo em seguida: “Essa notícia é falsa, o professor estava em Calama e lá continuaria, inclusive ministrou aula na última sexta-feira. Vamos tomar cuidado com esses boatos divulgados por pessoas que estão se aproveitando de uma triste perda para denegrir o projeto. Sejamos humanos!”.


Seduc rechaça relação do Gênesis com caso do professor

Seria irresponsabilidade atribuir a morte de Virgílio tanto à Chirlane Nobre Belo quanto à própria Seduc.

O filho do professor frisou ao apresentar posicionamento acerca da questão também no Facebook: “Isso não foi o motivo do óbito. Mas a angústia de ser humilhado por alguém que não conhece a realidade ribeirinha e se acha superior é insuportável”, sacramentou Daniel Douglas Silva.

Aliás, Daniel Douglas ainda desmentiu trecho da nota emitida pela secretaria na passagem em que aponta: “O professor já vinha enfrentando problemas de saúde, mesmo assim, jamais abriu mão de estar em sala de aula, na sexta-feira(23) ministrou sua aula na Escola Estadual General Osório, Distrito de Calama, onde vinha atuando desde 1985”.

Filho disse, via Facebook, que o pai não lutava contra doença alguma

Sobre isso, postou: "Meu pai nunca esteve lutando com doença alguma. O infarto foi surpresa para todos os familiares. Ele começou a se sentir mal após ser humilhado na frente de seus colegas por uma servidora representando a Seduc"

Esse foi o calvário de Virgílio. A história que ninguém, até então, ousou contar. E entre boatos e verdades fica a mensagem postada pela própria Seduc: sejamos humanos!

Virgílio Gomes Ferreira foi velado na Funerária Ramos; o sepultamento ocorrerá neste domingo (25), às 16h, no cemitério Jardim das Saudades.

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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