Publicada em 03/07/2023 às 09h52
O Brasil registra, atualmente, 1.500 unidades de conservação públicas, 50% delas sendo de proteção integral. Nesse universo, nenhuma área tem o processo de regularização fundiária inteiramente concluído. O passivo fragiliza o sistema de proteção, abrindo caminho para ataques de toda ordem, como invasões físicas, tentativas de fraudes e iniciativas legislativas controversas. Essa foi a mensagem central de especialistas que apresentaram o painel "Unidades de Conservação: Grilagem e Regularização Fundiária”, realizado como parte de evento nacional, sediado pelo Ministério Público de Rondônia, em Porto Velho, nesta sexta-feira (30/6).
A atividade teve a participação da Diretora Executiva na Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Angela Kuczach; de integrante do WWF-Brasil, Warner Bento Filho; da geógrafa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Jarlene Gomes; e do presidente do Instituto de Regularização Fundiária do Pará (Iterpa), Bruno Kono Ramos.
Angela Kuczach apresentou o dado sobre a deficiência no processo de regulamentação de áreas protegidas fazendo uma advertência sobre como o cenário incipiente vulnerabiliza as unidades. “Essa situação abre brechas para questionamentos de toda sorte, não apenas em relação a indenizações a serem pagas a eventuais ocupantes originais dessas terras, como também a pessoas que manifestem interesse pela área, em razão de riquezas que dela possam extrair. Ou seja: é um quadro que estimula a grilagem”, ilustrou.
A diretora executiva falou acerca do quadro que se registra no Brasil de investidas legislativas que visam à recategorização, redução e desafetação de unidades, o qual, em geral, tem a questão fundiária como pano de fundo.
A esse respeito, citou o Projeto de Lei nº 2001/2019, que versa sobre pagamento prévio de indenização a particulares, em caso de criação de novas unidades de conservação, quando em áreas de propriedades privadas. A iniciativa, de acordo com a palestrante, só não avançou em razão do esforço de entidades ambientais junto ao Congresso.
“Precisamos, de fato, unir forças. As instituições públicas, as organizações da sociedade civil e os representantes do Agro devem se sentar à mesa. Criar uma força-tarefa é urgente se quisermos garantir o que diz a Constituição Federal, que é garantir um meio ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações”, pontuou.
Passivo - O problema da regularização fundiária em áreas protegidas também foi abordado por Warner Filho, do WWF, que afirmou existir no Brasil um passivo de aproximadamente 61 milhões de hectares em unidades de conservação federais, aguardando regulamentação. Um cenário, que, conforme frisou, revela-se difícil de se reverter.
Como forma de solucionar a questão, o painelista apontou a estruturação de órgãos incumbidos de atribuição na área; monitoramento de proposições legislativas; a aprovação de projeto de lei que verse sobre renúncia do Governo Federal em arrecadar imposto de renda para a compra, para o ICMBio, de terras dentro de unidades; conversão de recursos provenientes de condenações judiciais por danos ambientais para investimentos em unidades de conservação; consolidação das unidades, entre outras alternativas.
Warner Filho também ressaltou a importância de a sociedade enxergar as áreas protegidas como força econômica. “As unidades de conservação são meios de geração de trabalho e renda. Não podem ser aquela área intocável que as pessoas não sabem para o que serve. Elas existem para o bem, para que a vida melhore”.
Cases e Tecnologia – Posicionando a tecnologia como instrumento fundamental de combate ao desmatamento, o painel abordou experiências bem-sucedidas nos Estados do Acre e Pará, que vêm sendo consideradas como soluções modernas ao problema.
A geógrafa Jarlene Gomes, do IPAM, apresentou trabalho desenvolvido pelo órgão no enfrentamento à grilagem de terras públicas, a partir de ações baseadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento do Código Florestal. A painelista também falou da criação e implementação de plataformas para monitoramento de áreas protegidas e mapeamento das florestas.
Em sua participação, Jarlene Gomes ressaltou a importância de consolidar áreas protegidas e unidades de conservação como estratégia para a preservação do meio ambiente, apoiando comunidades tradicionais. Ao final, citou o Zoneamento, ferramenta desenvolvida de modo pioneiro pelo estado de Rondônia, como instrumento essencial para combater a devastação. “O desmatamento em terras públicas é um verdadeiro processo de degradação e destruição, não só da floresta, mas da vida humana”, alertou.
O Presidente do Iterpa, Bruno Kono, expôs o processo de estruturação do Pará no desenvolvimento de ações para a regularização fundiária. O dirigente fez um panorama da solução encontrada pelo órgão para combater os mecanismos de irregularidade utilizados por grileiros para exploração de áreas protegidas naquele Estado.
A ideia foi desenvolvida com base na digitalização e cruzamento de dados que impedem a formalização de requerimento de regularização fundiária em áreas protegidas. Assim, análises antes realizadas manualmente e que levavam anos para terem conclusão, são agora realizadas de modo automatizado. “Isso evita que aquela expectativa de direito, gerada por protocolo, pela demora da tramitação de um processo, seja utilizada para dar aparente legalidade ao pedido”, relatou.
O presidente do Iterpa alertou ainda para a importância de investimentos para a boa prestação de serviço e desenvolvimento de soluções na área do meio ambiente. “O serviço público precisa estar estruturado para atender ao público, para dar uma resposta à sociedade”.
O Seminário "Unidades de Conservação: Preservação e Uso Sustentável" é uma iniciativa do MP de Rondônia, da Associação Brasileira de Membros do Meio Ambiente (Abrampa), Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e Associação dos Membros do Tribunal de Contas (Atricon)